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Filosofia Oriental e Espiritualismo Prático

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    ZEN BUDISMO, de Johnston

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    Mensagem  Convidad Sex Jul 08, 2011 10:04 pm


    ZEN BUDISMO, de Johnston.
    Johnston, no exercício das funções de sacerdote católico, esteve vinte anos no Japão onde estudou e praticou o Zen. Ele afirma que o Cristianismo necessita, com urgência, das práticas e ensinamentos do Zen pois, sem isso, continuará sendo, apenas, uma religião vazia e que não leva a nada.
    ...........................................................
    INTRODUÇÃO
    ...Parece (?) que, num acesso de humildade, a inflexível Igreja Católica sente que tem a ganhar com o Zen Budismo. Se eu tivesse ficado na Irlanda, minha terra natal, em vez de ter ido para o Oriente, eu não passaria, hoje, de um cristão intolerante a atirar pedras nos protestantes nas ruas de Belfast. O Zen ensinou-me que no Cristianismo há possibilidades insuspeitadas. Hoje, pratico Zen como um modo de aprofundar minha fé cristã, prática que, para muitos cristãos, é ateísta, panteísta ou sem sentido. É que eles não sabem que a sabedoria mais elevada encontra-se, não nas idéias distintas e claras, mas no silêncio tranqüilo do cérebro que vai além de todo pensamento, raciocínio, imagem ou desejo.
    ...Depois que me levou a conhecer os templos orientais, o budista disse que queria conhecer um templo cristão. Fiquei profundamente desconcertado, pois me dei conta de que não havia um templo cristão aonde pudesse levá-lo com esperança de que ele se sentisse edificado. Templos cristão, comparados aos orientais, se parecem mais com escritórios. Era evidente a diferença.
    Nas igrejas cristãs nada se ensina sobre meditação e nem se recomenda sua prática. Contudo, no Zen (palavra que significa meditação), é o que mais se pratica e quase não há qualquer doutrina. Esse tipo de meditação, em silêncio, sem pedidos, imagens, sem palavras, nem mentais, não era novo para mim, pois eu já lera ‘A nuvem do desconhecido’ e João da Cruz, místico cristão (‘renunciai tanto aos maus quanto aos bons pensamentos’). Todo pensamento discursivo deve cessar a fim de que possa emergir, das profundezas do ser, o ‘cego impulso do amor’.
    ...Os mestres Zen dizem: ‘Não quero saber de seus problemas de saúde ou familiares etc.; tudo que quero saber é sobre sua prática da meditação’. Isso é o oposto da atitude dos orientadores cristãos, que indagam sobre os problemas práticos da vida, mas se esquivam da questão fundamental que é a meditação. Mas, os roshi (mestres Zen) são conhecedores profundos do funcionamento da mente humana, o que lhes permite guiar as pessoas ao satori pelo caminho da meditação.
    ... O roshi me perguntou: ‘Como está indo? ’... Eu: ‘Minhas pernas doem que mal as agüento’... Ele: ‘Estique-as! Mas, o que pergunto é como está indo na meditação?’... Eu: ’Tenho praticado muito; em silêncio, sento-me, sem que me ocorram palavras, pensamentos, imagens ou idéias’... ‘Está imbuído da presença de Deus?’... ‘Estou. ’... ’Muito bem! Continue assim! Acabará descobrindo que Deus irá desaparecer e somente Johnston permanecerá. ’
    Isso me chocou como radical negação de Deus e de tudo que eu julgava sagrado. Eu aprendera que há momentos em que o ‘eu’ desaparece e somente Deus permanece. Disse-lhe: ‘Deus desaparecerá? Johnston é que pode desaparecer e Deus tomar seu lugar!’ O roshi respondeu com um sorriso: ‘É a mesma coisa’.
    Mais tarde, refletindo, vi que ele não negava a existência de Deus; estava negando a existência do dualismo Eu-Deus, Eu-Tu. Estava dizendo que tudo é Deus, ou que tudo é Um.
    ...Percebi que os cristãos japoneses têm importante papel na renovação da igreja cristã: trazer a meditação para o Ocidente, e levá-la às igrejas. Mas, isso será inútil se o Cristianismo não fizer renovação completa na sua metodologia mística, precisamente no aprofundamento das práticas contemplativas.
    É terrível essa concessão dada, ao Cristianismo, do privilégio da representação divina e deixar, ao budismo e hinduísmo, só algumas migalhas de profecias; contudo, descobri que budistas e hinduístas não se importam nada com isso, ao passo que, só recentemente, parece, estão sendo dissipadas as trevas da intolerância da igreja cristã referente ao assunto.
    ...Nas reuniões de cristãos e budistas, todos falavam de suas experiências religiosas, sempre encontrando um traço de união entre elas, o que mostra que a vida interior de budistas e cristãos tem muito em comum. Contudo, não se conseguia enunciar qualquer proposição filosófica, doutrinária ou teológica com a qual todos concordassem.

    MONISMO x DUALISMO
    Sugeri a um amigo budista trocarmos idéias acerca de nossas concepções sobre Deus. Ele disse: ‘Você acredita que é possível falar sobre Deus, o nada, o vazio? Isso é impossível. Você é o próprio vazio, o nada, Deus. Tudo é uma coisa só’. Essa é a concepção que perpassa todo o Zen: ‘não existe nenhum Eu e Tu, nenhum Deus e Eu. Tudo é uma coisa só’.
    Certa vez, Suzuki falava sobre o silêncio, o vazio e outras coisas quando, um ouvinte, irritado, exclamou: ‘Mas, e a sociedade? E os outros?’’ ao que Suzuki, com um sorriso, observou: ‘Mas não existe nenhum outro!’ (Não existe nenhum outro, como não existe nenhum eu. Todos somos um só).
    ...Um roshi falou sobre a experiência que o arrebatou em êxtase jubiloso. É impossível descrever ou explicar o satori, disse ele, mas as palavras de Jesus: ‘Antes que Abraão fosse, Eu sou’ conseguiam exprimir a revelação. Era isso a perfeita prática: nenhum objeto, imagem, ou dualidade; apenas Eu, Eu Sou. Essa é a expressão perfeita do satori. A compreensão de que ‘Eu sou’ emerge das profundezas do iluminado. Esse Eu não é ‘meu eu’, feito de lembranças, expectativas e desejos. É o ‘fundamento’ do ser, a alma do universo, a voz do ‘grande Eu’ que anula toda consciência de ‘meu eu’ e se afirma como tudo que existe. Compreendi, então, que quando Jesus disse ‘Eu sou’ ele se referia, não ao ‘eu’ de um indivíduo, mas à palavra eterna (logos) pela qual todas as coisas foram criadas. Em Jesus não havia mais a personalidade humana, mas o Pai (‘Eu e o Pai somos um’ ou, como Paulo disse: ‘Não sou mais eu que vivo, mas o Cristo é que vive em mim’).
    ...Toda religião digna desse nome ensina a orar. Podem ser pobres em teologia e organização mas, se dão atenção à oração e à meditação, devemos respeitá-las pois tentam cumprir seu papel.
    No budismo e hinduísmo, sempre houve mestres que dominaram a tal ponto a arte de meditar que podiam orientar seus discípulos pelos caminhos da mente até a um plano além do ego. O Cristianismo, como o Judaísmo, de onde ele vem, tem tradição semelhante. Lembre-se de que os discípulos pediram a Jesus: ‘Ensine-nos a orar, como João ensinou seus discípulos a orar’. Julgavam Jesus um mestre de oração, como João e outros que percorriam aquelas terras. Os fundadores da igreja também ensinavam a orar. No seu tempo, Inácio de Loiola percorria Paris para ensinar como meditar. Seu método, ‘Exercícios Espirituais’, com que pretendia levar as pessoas á iluminação, é aplicado até hoje.
    Contudo, esse método, como outros, foi erradamente interpretado, vindo a ser associado ao pensamento, raciocínio, enfim, à ‘oração discursiva’, que pouco atrai o homem moderno. O homem, da era da televisão, rádio etc., está farto de palavras e mais palavras. Necessita é de um profundo silêncio interior. Isso pode ser alcançado com o Zen, que apresenta técnicas simples para levar as pessoas ao silêncio e paz interiores e até mesmo à chamada ‘contemplação’ dos cristãos, como fazia a Primitiva Igreja Cristã com suas orações.
    O Zen ensina o ‘distanciamensto’ de todos os apegos, até mesmo do apego ao eu. Isso para que outra coisa possa resplandecer em seu lugar: a natureza do Buda, ou do Cristo, a iluminação que traz o fim de todo o sofrimento e de todos os conflitos que afligem o homem. Na iluminação, a fé torna-se a convicção de que Deus está no mais íntimo de nosso ser. O que de mais verdadeiro existe em nós, não é nosso eu, mas o próprio Deus. À medida que o Zen se desenvolve, o eu desaparece e Deus vive e age em nós (‘Já não sou eu que vivo, mas o Cristo é que vive em mim’); nossas ações já não são nossas, mas de Deus, que é todas as coisas. Como Paulo disse: ‘Não existem coisas tais como o judeu e o grego, o escravo e o homem livre, o homem e a mulher, pois sois um só em Cristo’. Em resumo, os cristãos tirarão proveito do Zen para aprofundar sua fé cristã pois, aqui no Japão, um número crescente de cristãos, orientais e ocidentais, estão descobrindo isso com a prática do Zen.
    Seria bom para as igrejas cristãs adotarem essa metodologia e começarem novamente a ensinar a orar. O triste é que frades e freiras estão ensinando todo tipo de coisas, de ciências a literatura, e poucos ensinam a orar. Nós, ocidentais, sentimos grande necessidade disso, porque a vida contemplativa está incrivelmente subdesenvolvida nas nações desenvolvidas. Por isso nossa civilização se tornou desequilibrada a tal ponto que não consegue diferenciar um ser humano de um computador. Quando isso ocorre na dimensão contemplativa, as pessoas são facilmente tomadas pelo ódio e fazem coisas absurdas, como vemos todos os dias. É horrível ver que isso está acontecendo com sacerdotes e freiras pois, enquanto deveriam encaminhar suas vidas para o satori, que deve ter sido o motivo pelo qual foram para a vida religiosa, sentem que nada tem sentido se não se puserem a se agitar e a fazer todo tipo de trabalho ‘em nome da caridade cristã’.
    Os cristãos de hoje são como são, porque as igrejas cristãs projetaram a imagem de uma religião mais ‘igrejeira’ do que mística; muito mais bingos e festas do que orações; muito palavrório teológico e pouquíssimo silêncio cerebral. Palavras, palavras, palavras; exterioridade e não interioridade! É por isso que, o Ocidente necessita, com urgência, de uma transfusão de sangue do misticismo Oriental.
    Se confrontarmos misticismo e cristianismo, o pomo da discórdia será a oposição entre o monismo (tudo é UM; não há eu e Deus) e o dualismo (eu aqui, Deus lá). Foi o que disse o roshi ao afirmar que Deus desapareceria e só restaria Johnston. É o que sugeriu meu colega Zen ao afirmar não ser possível sequer falar de Deus. Era isso que queria dizer Suzuki ao afirmar que ‘não há nenhum outro’ (pois tudo é UM).
    O conflito monismo x dualismo é das questões mais controvertidas para os ocidentais desde há muitos séculos, tendo sido os cristãos advertidos quanto aos perigos do panteísmo e daquelas coisas ‘horríveis’ pelas quais pessoas como Eckhart (místico cristão) foram castigadas no séc. XIV pela ‘santa inquisição’ da igreja de Roma (condenação à morte pelo fogo).
    Será o monismo contrário ao Cristianismo? Não! A meu ver, o Ocidente precisa urgentemente de um toque do monismo. Os homens o procuram e ele pode ser entendido num sentido cristão. O monge trapista, Thomas Merton, escreveu:
    ‘Parece, aos budistas, que somos dualistas, com a noção de Deus ‘lá’ e nós ‘aqui’, uma relação de eu-tu, sujeito-objeto. Isso, é claro, tornaria impossível o satori (porque o satori só pode ser atingido quando percebemos que ‘eu e o Pai somos um’, como afirmou Jesus). Se conhecessem Eckhart saberiam que ele afirma que, quando alguém se ilumina, se confunde com Deus. Ele se refere a uma experiência que se revela em todas as formas de misticismo. O misticismo cristão, na forma de noivo e noiva (dualismo; na bíblia: ‘Os cantares’, se Salomão), nos afasta consideravelmente do satori. Penso que os cristãos podem alcançar o satori tão facilmente quanto os budistas. Mas, para isso, é necessário ir além de todas as formas, imagens, conceitos, categorias e tudo o mais (além do ego). Mas, no Cristianismo de hoje, isso é muito difícil de ser aceito’.
    E´ bom saber que, aquele que obstinadamente se empenha em obter o satori, nunca consegue. É preciso meditar sem a preocupação de alcançar ou não o satori ou qualquer outra experiência. Como diz o Zen, ‘se alcançar, tudo bem; se não alcançar, tudo bem’. O Zen nada tem a ver com crenças, religiões e está além de toda classificação. O fato é que, nas experiências místicas, indiscutivelmente, desaparece a relação sujeito-objeto, Eu-Deus. E isso não é ateísmo ou negação de Deus, mas um outro modo de sentir Deus. (É, ao contrario, a afirmação de ‘só Deus existe’).
    Nos últimos séculos, o Cristianismo popular trouxe a idéia de um Deus dualista e antropomórfico. Digo Cristianismo popular porque, místicos como Eckhart, João da Cruz e outros, nunca incorreram nesses erros. Mas a tendência popular é, como não pode deixar de ser devido àquilo que ainda é pregado nas igrejas cristãs, crer num Deus situado num céu distante. Isso talvez se deva à interpretação literal da Bíblia: Deus a caminhar com Adão no jardim do Éden, ou enfurecido com o povo hebreu. E muitas passagens do Velho Testamento afirmam que Deus apareceu a Moisés e a outros na forma de homem, ou de anjo falando com eles e mostrando emoções e sentimentos próprios do ser humano. Seja como for, o Cristianismo popular faz que se tenda a crer num Deus antropomórfico situado ‘lá fora, lá em cima’.
    Certamente um monge budista negará a existência de tal Deus, e dirá que, em suas meditações, jamais lhe ocorreu algo que se assemelhe a esse Deus, bem como negará a possibilidade de diálogo com um ser transcendental. Irá mesmo afirmar que essas idéias implicam na destruição do Zen, que é estritamente não-dualista, opondo-se de modo inflexível a todas as modalidades da relação sujeito-objeto. É preciso que os cristãos não se esqueçam da velha verdade filosófica, afirmada pelos místicos e aperfeiçoada por Tomás de Aquino, segundo a qual Deus não está em parte alguma: ‘Deus, simplesmente, é.’
    Pode-se dizer que a supressão da relação sujeito-objeto não encontra base na Bíblia. Mas, a leitura cuidadosa pode revelar sementes da teologia da negação do dualismo. Não está ali em termos de vazio, vácuo; o judaísmo não usa essa linguagem, e toda a Bíblia, em particular o Velho Testamento, foi escrita segundo padrões judaicos. Mas tem seu modo de dizer que Deus é incognoscível, que não se encontra em parte alguma. Está claro na proibição do fabrico de imagens, na afirmação de que Deus não se parece com nenhuma dessas coisas, pois ninguém viu Deus. Conta-se que quando o conquistador Pompeu invadiu o Santo dos Santos, curioso para ver o que havia ali, nada encontrou (quanta semelhança com o budismo!); e mais, traços do misticismo, parece-me, estão por todo livro de Jó e de Isaías. Por outro lado, a vida do dia-a-dia nos ensina que existem muitas coisas, ao passo que a experiência Zen faz-nos ver que só existe uma.
    ‘Na experiência Zen, sem imagens, pensamentos, sem relação sujeito-objeto, sem qualquer diálogo, ‘eu’ me perco, não mais existo e Deus é tudo’ (Paulo: ‘Cristo é quem vive em mim’).
    Cristãos convictos, educados no dualismo, relutam com todas as forças em aceitar o não-dualismo, como se isso significasse abandonar Deus. Observei isso, com freqüência, em cristãos que praticam o Zen. Esquecem-se que Paulo afirmou: ‘Já não sou eu que vivo, mas o Cristo é que vive em mim’, como também disse Jesus: ‘Eu e o Pai somos um’. Preferem orações discursivas, o famoso ‘Pai-Nosso’, e olham com suspeita as vestes e os pés descalços que lembram o misticismo oriental.

    CRISTIANISMO E ZEN
    A palavra Zen significa meditação e, logo, não é restrita ao budismo. Mas, não é qualquer forma de meditação; não aquela discursiva na qual entram imagens, raciocínios, pensamentos, emoções, promessas, decisões e agradecimentos. É um estado de consciência no qual se pode ver a essência das coisas. A prática deve se estender ao longo do dia, de modo que o Zen é ‘como’ caminhar, trabalhar, comer, como a própria vida. É uma meditação que não tem objeto, (nem objetivo), uma ‘meditação vertical’, como uma descida’ pelas camadas da consciência até as profundezas da alma. É chamada, também, de trevas, vazio, silêncio, nada, ou ‘noite escura da alma’ devido à ausência, na mente, de idéias, conceitos, imagens. Nela deve-se ‘buscar’, com atenção, não os pensamentos, mas o ‘lugar’ onde estes nascem. Independe de passado e de futuro; encontramo-nos no presente, no agora eterno. Isso pode culminar, um dia, na experiência do satori. As orações cristãs são cerebrais, discursivas, cheias de palavras e conceitos, enquanto os budistas procuram, numa palavra, ‘esvaziar-se’; esvaziar o cérebro de todos os pensamentos, conceitos, trazendo-lhe completo silêncio, ignorando-o.
    Só se compreende o Zen pela prática e não existe nada que substitua a experiência (‘Venha e veja por você mesmo! ’).
    Os ocidentais, tão ávidos de emoções (adrenalina), acham-se longe de se interessar pela meditação, pois nesta se procura o silêncio que foge a todo tipo de emoção.
    O Zen exige enorme esforço da mente, da vontade e do corpo para conseguir cessar o pensamento. Não é deixar o pensamento vagar a esmo, mas uma atenção silenciosa e intensa. Dedicar-se, com toda a atenção, ao que se está fazendo (lavando louça, caminhando, comendo etc.) é praticar o Zen, como se estivesse sentado em meditação. É preciso renunciar, não aos vícios, álcool, fumo, mas a todos os pensamentos e desejos, até àqueles sobre o amor ou sobre Deus, e a todas experiências espirituais agradáveis ou desagradáveis. Ninguém chega ‘lá’, a menos que renuncie a tudo de mal ou de bom que existe. Esse o verdadeiro misticismo: não se deleitar com nada, não repousar em nada; e longe de nós a idéia de que buscamos uma experiência emocionante.
    Na Europa medieval, havia grandes correntes cristãs, como as escolas e seitas místicas e ortodoxas. Todas tinham seus próprios métodos, resíduos do primitivo cristianismo, para levar ao silêncio e à paz além das palavras, imagens, idéias e desejos. Cada uma tinha sua própria denominação para a experiência: ‘o cego impulso do amor’, cego porque livre de qualquer pensamento e imagem, aproximando-se ao vazio; ‘intenção despida de vontade’ ou ‘nudez’, indicando completo abandono de todas as coisas; o discípulo deve ‘despir-se’ de todos os pensamentos para se aproximar de Deus. João da Cruz a denomina ‘chama viva do amor’, pois lança o ser num completo esquecimento de si mesmo e desperta amor (não apego) por todos os seres, ou ‘noite escura da alma’, devido à ausência de pensamentos, e ao desamparo de se perceber próximo à iluminação, mas ainda não lá.
    ‘Na prática da contemplação, deixai de lado todos os sentidos e operações do intelecto (pensamentos, imaginações, lembranças, expectativas, comparações, promessas, decisões, pedidos, remorsos), tudo que é e tudo que não é, e entregai-vos ao além desconhecido tanto quanto possível, a fim de vos unirdes a Ele, que está além de todas as palavras, coisas, conhecimentos e imagens. Pois, através do contínuo e total desnudamento de vós mesmos, tudo abandonando, sereis elevados até o raio da Divina Escuridão que supera tudo o que é’.
    Esta divina escuridão está em todo o misticismo, cujo representante maior é, para mim, João da Cruz. Sua contemporânea, Teresa d’Ávila, é ainda mais clara. Para ela o samadhi é alcançado no centro do castelo interior que somos nós, pois que ‘Deus ali habita’, como afirmaram Jesus e Paulo.
    As Escrituras cristãs afirmam que quem ama conhece Deus e, quem não ama, o desconhece (o genuíno amor vem do conhecimento, da percepção de Deus; enquanto não temos ‘aquela’ experiência, toda virtude é forçada ou falsa, ou não é completa e o amor é apenas apego). A iluminação é como uma chama que ilumina tudo e, então, podemos ‘ver’. A ‘Nuvem do Desconhecido’ ensina: ‘Oferece tua vela à chama’, para que nossa alma se ilumine com a chama infinita do amor de Deus, o que nos trará compaixão e sabedoria, a magnífica sapientia que o Cristianismo medieval tinha em tão alta conta. Jesus: ‘Aquele que me ama (e, por isso, segue seus ensinamentos) será amado por meu Pai e receberá o Espírito (isto é, chegará à iluminação)... ’, isto é, o espírito da sabedoria é concedido aos que o seguem (pois o amam, nele crêem e seguem os seus ensinamentos) e chegam lá.
    Quanto à indução ao satori, a tradição cristã era totalmente diferente. Nada de postura corporal, embora pareça ter havido interesse pela respiração na igreja oriental. Mas, esse saber se perdeu e, quanto mais nos aproximamos do Ocidente, mais cerebral e discursiva (cheia de palavras) se torna a coisa toda. As pessoas eram (primitivamente) iniciadas na meditação pela leitura das Escrituras e reflexão sobre seu conteúdo. Essa meditação discursiva evoluía, aos poucos, para a repetição de uma palavra ou som e, eventualmente, para um silêncio sem palavras e imagens. A este ponto deviam chegar todos que se dedicavam seriamente à oração.
    Contudo, quando entrei para o noviciado, comecei assim: fizeram que eu lesse e relesse a Bíblia e refletisse, e remoesse, e a digerisse e rezasse. Então, como hoje, nada mais se ensinava. A tradição do primitivo cristianismo estava perdida. Não se usava iniciar as pessoas em formas supraconceituais de oração (sem conceitos e palavras), e ‘misticismo’ era palavra suspeita. Havia grande falta de orientação prática e de metodologia eficiente.
    A. Huxley e outros culparam os jesuítas pelo esquecimento do misticismo na Europa medieval, pois eles defendiam uma espécie de oração que tinha mais a ver com o linguajar e a matemática do que com contemplação. O receio quanto ao misticismo era considerado salutar. Havia um espírito de ciência, racionalismo e dogmatismo, que tinha em alta conta os conceitos, imagens, idéias, rituais, cânticos, o que o tornava completamente desconcertado frente ao vazio e ao silêncio do misticismo.
    Muitas ordens religiosas perderam seu misticismo e, com ele, as esperanças de iluminação. Cabe a essas ordens redescobrir suas tradições místicas, e enriquecê-las com o misticismo que o Oriente oferece.
    Mas, como poderia o Zen fazer relevante a tradição cristã que data de dois mil anos? Ajudaria a acabar com os mitos (folclore, invenções, fantasias, lendas) de boa parte da teologia subjacente ao misticismo cristão. A tradição judaico-cristã é totalmente teocêntrica. Tudo está na dependência de Deus. Isto se deve, talvez, à Bíblia, na qual tudo é atribuído a Jeová. Se a chuva cai, se alguém morre, se surge a doença ou a miséria, tudo é ‘graças a Deus’. Tudo, obra de Deus (‘É o senhor que opera em nós o pensar e o fazer’).
    Essa maneira de falar é legítima. Mas tem a desvantagem de ser imprópria ao homem moderno, extremamente antropocêntrico e que sente dificuldade para entender e aceitar uma terminologia que recorre incessantemente a Deus. O ocidental desmistificou a ação de Deus na esfera natural ao descobrir, pela ciência, um sem-número de causas (secundárias) para todos os fenômenos. Daí não entender a doutrina cristã que em tudo vê a ação direta de Deus e é totalmente teocêntrica.
    O Zen é extremamente centrado no homem. Ele só pede para sentar e meditar e, de maneira prática, sem muita teoria, somos levados ao samadhi. Só pede que sigamos os passos do Buda para termos sua natureza (é o que o Cristianismo precisa aprender e ensinar aos fiéis; sem muita teoria e sem complicações teológicas ou filosóficas, seguir os passos do Cristo. Só assim é possível a iluminação. A terminologia sobre a oração, contemplação, amor divino ou do Cristo etc., todas essas complicações deverão ser deixadas de lado. Isso é totalmente desnecessário, pois a própria experiência é descomplicada).
    Isso seria de enorme benefício para o cristianismo, particularmente para o católico que vê seus fiéis perderem a devoção que havia no passado. Todas essas coisas, se desaparecessem, não digo que devam desaparecer, seu lugar seria ocupado por uma meditação simples e ao alcance de todos.
    A meditação cristã do passado destinava-se a uma elite: franciscanos, jesuítas, dominicanos, sempre restrita às ordens religiosas. O cidadão do povo ficava com o Pai-Nosso e o rosário. Mas, não tem que ser assim. O muro infame que separa o Cristianismo popular do Cristianismo monástico deve ser derrubado para que todos possam alcançar seu samadhi. Não quero dizer que aquela elite esteja chegando ao satori. Eles devem ser contemplativos, pois esse é o seu ofício. Então poderão ser de grande valor para a humanidade. Mas, se persistirem em fazer apenas o que fazem, e que o mundo pode fazer melhor, simplesmente deixarão de existir, pois não terão razão para tanto e serão de pouca importância para a sociedade. Outros tomarão seu lugar.

    O CRISTO
    E como fica o Cristo, no vazio e na escuridão do Zen? Os ocidentais já mostram precaução ante uma prece cristã que parece deixar de lado as palavras bíblicas, e exclui imagens ou pensamentos de Cristo. Como ficarão se lhes dissermos que devem abrir caminho para as trevas do vazio? Tudo isso deve soar muito esquisito para os ocidentais.
    Mas, é possível que, com o Zen, encontremos uma maneira menos dualista de nos aproximarmos do Cristo. Devemos nos abrir a essa visão como fizeram os primitivos cristãos. Porém, o Cristianismo, que nasceu dentro das tradições judaicas, sofreu a inclusão de concepções gregas (Aristóteles) trazidas por Agostinho e outros, concepções que influenciaram a revelação judaica, e o Cristianismo cresceu imbuído dessa cultura, o que lhe foi pernicioso.
    ...O roshi falou da diferença entre as palavras e idéias, e a realidade (como ensina Krishnamurti, ‘a palavra não é a coisa’). As palavras são apenas como o dedo apontando a lua. Atenha-se ao dedo e você nunca verá a lua. Todas as palavras de todos os mestres, sábios, escrituras são apenas o dedo; indicam o caminho para ver a lua; mas não são a lua (Talvez por isso, dizem os sábios que devemos parar de falar e ler - são apenas dedos - sobre a experiência de Deus, mas que tentemos experimentá-la).
    Mas, o ocidental adora suas palavrinhas e a elas se apega como criança ao seu brinquedo. Agarra-se a conceitos, idéias, imagens, figuras, lembranças e emoções, e não vê que essas coisas são apenas dedos apontando a lua (exterioridades). O ocidental deixou se corromper pelos meios de comunicação de massa e pela vida secular (profana), que são, ainda, apenas dedos. Nas escrituras, agarra-se a frases e versículos, correndo o risco de adorar ou de colocar, acima de tudo, imagens e conceitos sobre Deus em vez de o próprio Deus. Conceitos e imagens (imaginações) de Cristo não são o próprio Cristo. Os cristãos, de qualquer denominação, devem, pelo menos, pensar sobre a possibilidade de que o Cristo possa ser conhecido em meios às trevas, ao vazio, à uma vacuidade que transcende todo pensamento. Fitando em demasia os dedos, perderão de vista a lua.
    ...Outra lição: ‘Se vires o Buda, mata-o!’, frase considerada uma rejeição blasfema, ultrajante de tudo que é religioso e sagrado, e como prova de que o Zen, e mesmo o Buda, nada têm de sagrado. Mas essa frase deve ser entendida assim: ‘Se vires o Buda, o que vês não é o Buda. Portanto, mata-o!’ (esquece-o!) A explicação é que tudo que percebemos, vemos, tocamos ou ouvimos nada mais é senão o dedo apontando a lua, e não percamos tempo com isso.
    Corretamente compreendida podemos repetir a frase: ‘Se vires o Cristo, mata-o, pois o que vês não é o Cristo!’ O que vemos, ouvimos, percebemos não é Deus; tudo é apenas efeito de Deus, o dedo apontando a lua (apontando Deus). ‘Livra-te do Buda enquanto objeto do pensamento; só assim realizarás a tua natureza de Buda’. Devemos deixar de lado quaisquer imagens, idéias conceitos, até mesmo relativas a Deus, a Jesus, ou ao Buda. Qualquer ação do ego, qualquer ação do cérebro impede a verdadeira percepção.
    O Cristo, a que Paulo se refere, não pode ser expresso por imagens nem conceitos; é o Cristo cósmico, incognoscível, vivo desde sempre e por todo o sempre, e oculto no íntimo da alma humana. Os pobres doutores especialistas ficam todos enredados nos dedos de Paulo e não conseguem ver a lua. O que Paulo tem de mais profundo não é a si mesmo: ‘Não sou mais eu que vivo, mas o Cristo é que vive em mim’. Para ele, a vida é Cristo e a morte é Cristo; é tudo a mesma coisa. Ou, ‘é Cristo que habita em vossos corações’. A palavra ‘coração’, aqui, é tradução do grego; porém Paulo, que foi criado como judeu, devia ter em mente a palavra hebraica, que significa ‘o âmago do ser’. Para Paulo, Cristo está além dos conceitos e pensamentos (além do ego e do espaço-tempo; não está em parte alguma e está em toda a parte, como afirma o Zen). Se quisermos situá-lo em algum lugar, devemos situá-lo ali onde o pensamento se origina, pois ‘ele é nosso rosto original de antes de nosso nascimento’. Assim é que Paulo afirma que fomos escolhidos por Cristo antes da criação do mundo.
    Se Cristo está oculto além da mente, não poderemos conhecê-lo pelo pensamento ou raciocínio (pois que estes são a própria mente).(Temos que ir para além da mente e isso só se consegue com a meditação). Por isso não subsiste nenhuma relação Eu-Tu. Como disse Paulo, ele está operando em nós o pensar e o fazer: ‘Não vos preocupeis com o que havereis de dizer (quando interrogados por príncipes e reis), pois eu vos darei boca e sabedoria às quais não poderão resistir’. Neste ponto, o Cristianismo primitivo e o Zen convergiam. Nenhum raciocínio, nenhuma reflexão, nenhum pensamento (mente totalmente vazia).
    Se você inicia pelo dualismo (tão comum na Bíblia), como Paulo na estrada de Damasco, você não irá muito longe. Se deseja ir mais além, a algo como o Zen, deve simplificar o processo do pensamento, acabar com as palavras e conceitos, cessar as orações discursivas e fazer com que o dualismo dê lugar ao vazio, que é onde está a experiência mística. Estará, então, começando a desviar sua atenção do dedo para a lua. Não dê atenção a reflexões piedosas acerca do dedo, ou de qualquer outra coisa, pois vão desviá-lo do esplendor da lua. Aqueles que viram a lua desejaram que outros a vissem também; por isso disseram: ‘Estas coisas, eu escrevi a fim de que possam ter fé’. Esqueçamos pois o dedo e, sem ansiedade nem constrangimento, contemplemos serenamente a beleza silenciosa da lua. Assim podemos descobrir, segundo a frase magistral de Paulo, que nossa vida se acha oculta em Cristo, como este está em Deus. Nosso eu está oculto, Cristo está oculto; só Deus resplandece em todas as coisas. E isso somos nós, e estamos ‘lá’, bem vivos, como o Cristo está ‘lá’, bem vivo. Não estamos conscientes de nós próprios, nem do Cristo, pois nossa vida está oculta em Cristo e este em Deus. Eventualmente, a iluminação ocorrerá. Não uma iluminação qualquer, mas aquela para a qual todos os dedos apontam.

    O KOAN
    Muitos dizem que o Zen é coisa de malucos. O ‘absurdo’ Koan (problema paradoxal), é uma das razões para essa crença. É um problema apresentado à mente, todo o dia, todas as horas, até que o indivíduo alcança, de repente, o satori. A solução não é dada pela mente, pois o koan desafia toda lógica (e nossa mente está condicionada a sempre procurar raciocinar com lógica), mas por um processo de identificação. Vivenciamos a coisa, esquecemos-nos de nós mesmos e, por fim, até do koan. Por exemplo: ‘Que feições possuía teu rosto antes de teu nascimento?’ Ou: ‘Percebemos o som de duas mãos que batem uma na outra; mas, e o som de uma só mão?’ Ou: ‘MU’ (nada). Ou ainda: ‘Como retirar, sem machucar, o ganso e sem quebrar a garrafa onde ele, ali colocado desde pequenininho, se tornou grande?’ Medite acerca desses paradoxos, deste koan de um artífice divino (Deus) que proporciona ordem e harmonia para o Universo, mas que, para um segundo plano, deixa a desordem, a angústia, a contradição, a dor, enfim, tudo que é sofrimento (Mas nada disso é verdade, pois o agradável e o desagradável vêm da mesma fonte).
    Hoje, compreendi que o koan tem valor inestimável. Considero-o essencial à compreensão de nossas escrituras, e um guia para a meditação baseada nos paradoxos bíblicos.
    Mas, existe, nas escrituras cristãs, algo semelhante ao koan? Sim! Paulo foi um dos maiores criadores de koan, e é preciso sensibilidade para compreender aonde ele quer chegar. Ele, na Primeira Epístola aos Coríntios, deixa claro que o Cristo crucificado não passa de um louco aos olhos tanto de judeus como de gentios; mas, se nos iluminamos, ele passa a ser para nós da mais alta sabedoria. É isso o koan: algo que, à primeira vista, parece absurdo, mas que não é.
    Penso que aquele que passa horas a fio olhando um crucifixo está frente a um koan. O que vê não é só o absurdo de um Deus crucificado, mas o absurdo de seu sofrimento e do sofrimento da humanidade. Não será pelo raciocínio ou pensamento que vamos entender, mas através da identificação com Ele, vivenciando seu sofrimento e o de toda a humanidade (compreender a totalidade da vida); e, eventualmente, após horas e horas de tentativas, de repente, pode ocorrer o satori, que traz o sentido daquilo que parecia não ter sentido. Em seguida vem a ‘ressurreição’ (o homem novo) e encontra-se a unidade na terrível dispersão (‘aparente’) de um Cristo sofredor.
    Nesse sentido, os hesichastas, que recitam a palavra Jesus em ritmo com a respiração, podem estar recitando um koan. Jesus, o Cristo, é uma figura arquetípica, que enfeixa todas as contradições e sofrimentos de toda humanidade.
    ...Um estudante perguntou: ‘Como tratariam, hoje, um iluminado?’ O roshi: ‘Seria menosprezado, escarnecido e rejeitado por todos’. Essa amostra de uma tremenda estupidez, que é a própria história da humanidade insana, não será um verdadeiro koan?
    Os evangelhos estão repletos de koan. Falam sobre cortar as mãos, arrancar os olhos e sobre o que não fazer. Assim: ‘Deixai que os mortos enterrem seus mortos’, ‘Aquele que quiser salvar sua vida, perdê-la-á’, ‘Eu sou a vinha, vós os sarmentos’, ‘Este é o meu corpo...’ ‘Este é meu sangue...’ ‘Antes que Abraão fosse, Eu sou’. Isso não vai além do raciocínio? Não é tão desconcertante como um koan? Não seria o Cristianismo um fantástico koan que faz a mente perplexa em meio aos paradoxos que os Evangelhos contêm? Há questões sobre as quais Jesus se pronuncia como num koan: ‘Aquele que tem ouvidos de ouvir, ouça’ É como se dissesse: ‘se não me compreendes, não posso ajudar-te’, não, pelo menos, no nível do pensamento discursivo.
    Isso faz pensar que o koan torna possível, aos cristãos, uma nova abordagem das antigas escrituras. Um monge budista afirmou que os cristãos somente alcançarão a iluminação se souberem ler suas próprias escrituras, isto é, que as escrituras contêm a iluminação para aqueles que sabem lê-las.
    Foram decifradas antigas mensagens; desenterrados, no deserto, dezenas de potes com manuscritos; descobriram-se manuscritos embolorados em cavernas escuras e antigas cidades soterradas, o que levou os especialistas à brilhante conclusão de que tinham sondado as profundidades da sabedoria bíblica. Mas, por mais valiosas que sejam essas descobertas, não são capazes de nos ajudar a resolver o koan que, num átimo, reluz e nos interpela nas páginas das escrituras. Já antiqüíssima doutrina, trazida por Kêmpis e outros, afirmava que, se o Espírito não se fizer ouvir dentro de nós, será impossível ouvi-lo. É por isso que afirmo que pensamento e raciocínio são incapazes de apreender uma mensagem cuja natureza somente as faculdades mais profundas e adormecidas da mente, que atuam ali onde o Espírito se faz ouvir, podem captar.
    Para ler as escrituras, ponha de lado as faculdades críticas de raciocínio e argumentação. Pare de indagar se Jesus andou sobre as águas, se houve uma estrela que guiou os reis Magos, o que tudo isso significa; isso não importa tanto quanto o que Jesus ensinou. Esqueça todas as complicações e deixe que as palavras das escrituras penetrem o mais fundo do seu ser, onde elas irão, delicadamente, agir, viver, transformar.
    Talvez, se, após meses de esforço, você solucionar um koan, será mais fácil solucionar muitos outros. Isso porque a s faculdades mais profundas foram despertadas e, agora, estão ativas. Então, seremos capazes de nos identificar com o koan, pela Bíblia toda. A ruptura, suscitada por determinada passagem, proporciona luz e entusiasmo para ler o resto. Na tradição Zen, o teste para a iluminação pode ser a capacidade de solucionar um koan; é o que faz o roshi a quem diz que se iluminou.
    Em livro anterior, tentei provar que a suposta irracionalidade dos místicos, no fundo, é conforme a razão. (‘A sabedoria de Deus é loucura para os homens, como a sabedoria dos homens é loucura para Deus’).

    O CORPO
    As tradições do Oriente dão grande atenção ao corpo; dizem que é a partir dele (da arte de usar pulmões, olhos, coluna vertebral, cérebro, atenção) que começa a meditação. Dão importância ao local, um recinto limpo e arrumado, ou grandes espaços abertos.
    ...No Japão, em encontros de meditação, é surpreendente que, muitas vezes, não havia uma fé comum e ninguém parecia mostrar o menor interesse pelo que os outros acreditavam ou não. Nem se mencionava a palavra ‘Deus’. Tratava-se simplesmente de meditar. A melhor aproximação a Deus era dizer que a meditação devia irradiar-se até as dimensões cósmicas. Mas, quanto ao corpo, se discutia minuciosamente.
    Os cristãos devem refletir mais sobre o papel do corpo. Mesmo aqueles que não crêem em Deus sabem que o corpo é uma realidade e podem, muito bem, se sentar e respirar. Eu mesmo pude observar, com minha limitada experiência, que isso realmente funciona. As pessoas que iniciam desse modo, eventualmente chegam a encontrar Deus. Não o Deus antropomórfico no qual não crêem, mas o majestoso ser em que vivemos, nos movemos e existimos. Mas, o corpo vem em primeiro lugar – Deus vem no fim.
    A verdade é que a oração dos ocidentais é muito cerebral, discursiva e não vai às camadas profundas da mente onde estão as faculdades que permitem a percepção do sagrado.
    ... Inquirido se é possível medir o desenvolvimento dos meditadores, um roshi respondeu: ‘Não, a mente é um mistério. Tudo que podemos fazer é avaliar as repercussões fisiológicas’ (os efeitos, da meditação, no corpo, como se comprovou pela Meditação Transcendental, de Maharisshi).
    O Zen não advoga meticuloso controle do corpo como a ioga. Não dá atenção aos fenômenos paranormais, pois os considera perigosos desvios do caminho. ‘Não se desvie da meta em virtude de fenômenos espirituais ou corpóreos de qualquer espécie, mesmo daqueles que você julgue maravilhosos’.
    No Cristianismo, anteriormente, considerava-se o corpo muito importante. Para uma vida de meditação se deveria dominar os olhos, a respiração. A ‘Nuvem do Desconhecido’ fala, com entusiasmo, das sublimes repercussões físicas da prece contemplativa (a luz que emanava do semblante de Moisés, ao descer da montanha; Jesus, ao surgir à frente dos discípulos após orar no monte; Buda, ao sair de sob a árvore onde ocorrera seu satori; Withiman, várias vezes assim observado por amigos).
    A tradição cristã tem afirmado a beleza que a meditação proveitosa irradia pelo corpo, mas não está preparada para usar o corpo como um caminho para o samadhi. Temos que aprender com o Oriente. No Bhagavad Gita (A sublime Canção da Imortalidade), descreve-se a preparação para a meditação:
    ‘Que você se instale num lugar tranqüilo e limpo, sobre panos, peles ou capim espalhado. Que se sente aí, refreando os impulsos do pensamento e dos sentidos, e se dedique ao exercício espiritual, para purificar o eu. Mantenha o corpo, a cabeça e o pescoço imóveis e aprumados; e fixe seu olhar (com toda a atenção) na extremidade do nariz e não em derredor. Fique aí, com seu eu em absoluta paz, sem mais medo algum, firme em seu propósito de perfeição, a mente controlada, sem pensamentos, nem os voltados para Mim; o ser inteiro integrado em Minha intenção’.
    O Zen prefere lugar silencioso, junto à natureza, jardins e flores e ao ruído das águas de um rio. Comparando, nossas igrejas cristãs, em particular as de construção recente, são locais inadequados para a meditação. Nas velhas igrejas havia sempre uma atmosfera inspiradora e um calor próprios. Será que, as pessoas que constroem as igrejas modernas, alguma vez refletiram acerca da meditação ou têm idéia do que ela seja? O mesmo vale para conventos e mosteiros. Como já disse, parecem mais escritórios do que templos.
    Outro ponto é a postura. Dorso aprumado, mas sem rigidez; olhos semi-cerrados pousados no chão, palmos à frente, ou na ponta do nariz ou no vão entre as sobrancelhas (ou fechados). Refestelado numa poltrona, a meditação não terá a menor profundidade. A mente deve estar tranqüila como uma chama que arde num lugar onde não sopra a menor brisa.

    RESPIRAÇÃO E RITMO
    Na meditação, o silêncio da mente é essencial. Obter esse silêncio é coisa complexa. Arjuna: ‘Volúvel é a mente, poderosa demais. É mais fácil domar a ventania.’ Krishna: ‘Mas, não é impossível; com esforço incessante ela pode ser colocada em xeque’. É nisso que o Oriente se distingue do Ocidente.
    Uma das maneiras mais antigas de controlar a mente é pela respiração. Há um vínculo entre respiração e psiquismo. Se aflitos, excitados ou irados, a respiração torna-se curta e rápida; se calmos e serenos, concentrados ou a meditar profundamente, torna-se mais e mais lenta. No profundo da oração, podemos estar tão silenciosos a ponto de não mais sentir a respiração. Se as condições psíquicas afetam a respiração (que é fisiológica), também as condições da respiração podem contribuir para acalmar a mente (psicológica). Inicie com uma aspiração ventral profunda, retenha o ar por um instante, e exale. A respiração ventral coloca no abdômen o centro de gravidade do corpo de modo que o corpo adquire mais firmeza.
    A tranqüilidade vem do processo de contar a respiração muitas vezes, de um a dez para inalar e para exalar, até que a sensação de estar sentado se torne sem esforço. Ponha, de início, total atenção na respiração ventral descontraída e lenta. Faça a respiração ir ao ventre e vir do ventre. Após alguma prática, contar apenas as exalações ou só as inalações. Por fim, apenas acompanhar a respiração (ao entrar e ao sair pelas narinas, sem ficar imaginando o caminho do ar. Essa técnica vem acalmar as emoções, banir o pensamento, o raciocínio, lembrança, e a imaginação (‘Cesse toda conversa exterior e interior’), atuantes nas camadas superficiais da mente, para abrir caminho para as camadas mais profundas, que se encontram, habitualmente, adormecidas).
    Os ocidentais, no entanto, só concebem a meditação pelo uso do cérebro. No pensamento oriental a respiração está ligada à própria respiração do cosmo, de modo que regular a respiração significa regular nossa relação com a totalidade cósmica, buscando ordem e harmonia.
    Na tradição judaico-cristã, a respiração é associada ao Espírito Santo, spiratio, e se estende ao universo. Daí o significado simbólico de Jesus ‘soprando’ sobre os apóstolos: ‘Recebei o Espírito Santo... ’ e também o vento que balança a casa antes da descida do espírito sobre os apóstolos. Mas, isso se perdeu com o tempo.
    A meditação praticada anteriormente no cristianismo:
    ‘Respiramos o ar para dentro e para fora. Nisto está a vida do corpo e disso depende sua vitalidade. Assim, ao te sentares em tua cela, conduz tua mente (pela atenção) ao caminho da respiração, bem ali onde passa o ar que entra, forçando-a a penetrar até a alma junto com o ar inalado. Não a deixes, porém, ociosa nem desatenta. Deixa que essa venha a ser a tua constante ocupação e jamais a abandones. Pois, esse exercício, por manter a mente afastada dos devaneios, torna-a inexpugnável às sugestões do inimigo e a conduz ao desejo do divino amor. Além disso, irmão, esforça-te por acostumar tua mente a não regressar muito cedo, pois, a princípio, ela se sente muito só nessa segregação interior. Porém, quando ela tiver se acostumado a isso, não lhe agradará mais se lançar às coisas externas. Pois é dentro de nós que está o reino de Deus, e para aquele que o divisou dentro de si, tendo-o descoberto e conhecido através da oração pura (sem contaminação de palavras etc., isto é, pela meditação), tudo que existe do lado de fora perde sua atração e valor. Já não lhe desagrada nem enfada estar do lado de dentro’.
    Na tradição a que pertence essa citação usa-se a repetição de uma palavra (ou som) em uníssono com a respiração. Afirmam que, com a inalação, o Cristo (a consciência cósmica, Deus) entra, e, com a exalação, o ‘eu’ sai, e ficamos, assim, repletos de Deus (‘Ou eu, ou Deus’).
    A prática purifica a mente de todos os pensamentos, desejos e desvios, de modo que ela desce até o fundo da psique em completa nudez espiritual (totalmente livre de impurezas). Após algum tempo de prática, já não há mais nenhum ‘eu’ a repetir a palavra (ou mantra) ou som, pois o ‘eu’ se foi e atinge-se a condição de ‘não-eu’ (o vazio), característica do Zen. A repetição do som ou palavra pode repercutir tão profundamente na vida psíquica, que ela se torna quase automática e persiste nos momentos de vigília, e, conforme alguns budistas, até quando dormimos.
    Acredito que a respiração associada à repetição do som ou palavra acha-se integrada no ritmo básico do corpo e que, o ritmo deste, se integra ao ritmo do Universo, o que abre passagem ao centro do ser onde desponta o satori (onde encontramos Deus). Quando os homens viviam em meio à natureza, trabalhando nos campos, e pescando nos rios e mares, é provável que tal ritmo fosse muito mais fácil de encontrar; as relações entre homem e meio ambiente eram harmoniosas. Basta recordar que os primeiros apóstolos eram pescadores e que o cristianismo está estreitamente ligado à pesca.
    Na urbanização, esse ritmo e harmonia se perderam; o homem começou a ‘desafinar’ em relação à natureza. Isso acontece, hoje, de modo ainda mais grave. Temos de fazer frente, não só à poluição geral, mas, também, aos ritmos adversos dos Beatles, Rolling Stones, ruído excessivo e grande número de forças que perturbam nossa vida psíquica, bem como a audição, olfato e visão. O que dizer, então, das camadas profundas da vida psíquica, pois essas forças debilitam o ritmo profundo que há em nosso interior?
    Nas cidades, o problema é crítico. A vida no campo constitui vantagem para quem deseja meditar; isso, há muito tempo, as ordens contemplativas descobriram. Mas, mesmo na cidade, a meditação é possível.
    Muitos praticam meditação, mas poucos vão até ao fundo. Os roshi se referem a estes como se cursando o ‘jardim da infância’, nunca chegando à ‘graduação universitária’ (‘Muitos são os chamados; poucos os escolhidos’). Muitos se acotovelam diante da porta estreita; mas poucos têm coragem de entrar. Assusta-os o caminho estreito e desconhecido; o caminho comum e conhecido é mais simpático e os atrai.
    Um budista afirmou que o maior obstáculo é o medo. Senti que se tratava de terrível verdade. A arte budista é cheia de bestas selvagens, faces assustadoras que simbolizam os temores da grande descida ao âmago do ser. À medida que descemos, muitos recalques dolorosos afloram à consciência e sofremos. Mas, se desejamos a luz, temos que ir em frente.
    João da Cruz disse, no seu Cântico Espiritual: ‘Nenhuma flor apanharei; nenhuma fera temerei. ’ Não apanhar nenhuma flor significa distanciar-se completamente da beleza sedutora do mundo que pode nos impedir de buscar a verdadeira fonte da beleza e do amor. As feras (os dragões, bestas e prostitutas do Apocalipse) são os horrores que afloram à medida que avançamos na descida mística. Mas, devemos rir na cara deles; são apenas lembranças que estamos excluindo (limpando) de nossa mente.
    Todos recuam ante a inexorável lei da renúncia. Devemos abrir mão de nosso próprio ‘eu’, do homem velho, vicioso e condicionado (para muitos, isso é terrível!) para encontrar um novo ‘Eu’. E, para isso, o Zen ensina: ‘Por incontáveis que sejam nossas paixões, devemos exterminá-las todas’ (Nunca pelo esforço do ego, mas pela compreensão que vem da meditação e análise das coisas do mundo). Só então a iluminação tomará conta de nós. Existe dentro de nós um imenso oceano de alegria, que pode ser liberado pela meditação e, algumas vezes, essa alegria irrompe com extraordinária força, inundando o ser com uma energia que não suspeitamos que temos. É o que se passa com o Zen, a yoga, a contemplação cristã, e podemos encontrá-la nos Atos dos Apóstolos, no movimento pentecostal, e com aqueles que foram até o fundo e descobriram aquilo que os fez suar sangue, como Jesus no Getsêmani.
    Guerras e ódio, campos de concentração e torturas, crimes sexuais e assassinatos, todas as espécies de exploração do ser humano, nos espreitam a partir das regiões inconscientes da mente. A ‘noite escura da alma’, de João da Cruz, não virá dessa transição entre a perda do antigo eu e a aproximação da descoberta do novo? O papel do roshi é orientar o discípulo nesses momentos. Enquanto isso, a tradição católica deu muita importância à autoridade exterior, aos rituais, cerimônias e à hierarquia, e a igreja ficou excessivamente protocolar, ritualística, burocrática.
    É provável que um ensinamento comum a todas as religiões, seja o de que a iluminação só é alcançada através da perda absoluta que é a morte (não a morte biológica, mas a morte do passado, a morte do velho homem, dos desejos, de todo o lixo que a mente guarda; é difícil nos desapegarmos dele, pois que ele somos nós mesmos). Lembre-se de Abraão: Isaac era tudo o que ele tinha; no entanto, só quando se mostrou disposto a matar seu único filho é que ouviu a espantosa promessa de que as nações da terra seriam abençoadas por toda sua descendência. Nisso consiste a iluminação.
    ...A principal tarefa do mestre é ajudar-nos a ‘morrer’, para que possamos ‘viver’ (a mansão da morte, de Krishnamurti).
    ...A igreja cristã precisa de menos teoria e de muita meditação, menos colégios e mais locais de meditação, mais mestres e menos sermões e teoria discursiva.

    A ILUMINAÇÃO
    É impossível falar do Zen sem falar da iluminação. Ela é o centro do budismo (e de todo o misticismo). Com a iluminação alcançamos grande sabedoria e nos livramos de todo sofrimento (Jesus: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará! ’ Buda: ‘A iluminação á a libertação de todo sofrimento’). Embora o Zen seja exclusivamente guiado para a iluminação, defrontamo-nos com o curioso paradoxo de que nunca se deve desejá-la; seria como uma nova forma de apego que viciaria toda a busca. É a velha história do Zen: ‘esvazia-te’ de todos os apegos (emoções, expectativas, sentimentos, pensamentos, etc.), sejam maus ou bons.
    Na iluminação, o que importa não é o choque súbito da experiência, mas a transformação completa que se segue, o novo homem que nasce da morte do velho (o nascer de novo, a ressurreição). Nos evangelhos, a experiência fundamental é a chamada ‘conversão’, como em João Batista: ‘Arrepende-te, pois que o reino de Deus está ao alcance de tuas mãos’. As palavras ‘conversão’ e ‘arrependimento’ perderam seu significado original. A conversão era uma transformação da mente e da alma, sendo sua expressão mais marcante encontrada nos Atos dos Apóstolos e epístolas de Paulo, onde se lê acerca do Espírito que se segue à imposição das mãos. Ela é acompanhada de uma manifestação de alegria que tem algo com a que invade o ser no satori. No quarto evangelho está: ‘Eu era cego, mas agora posso ver’, isto é, os olhos da alma se abriram e podemos contemplar a glória do Cristo (consciência cósmica): ‘Vimos sua glória... ’
    Após o concílio de Trento, a igreja católica passou a encarar com suspeita certas espécies de experiências religiosas, em especial aquelas referidas pelos protestantes em suas inequívocas dimensões pentecostais.
    Penso que seja verdade, no fundo, que os pentecostais sejam doidos, coisa que eu também gostaria de ser pois, se queremos a iluminação, é preciso que nos tornemos loucos (‘A sabedoria de Deus é loucura para os homens’). E é esta a lição do misticismo: após a morte do homem velho, vem a ressurreição, o homem novo, a libertação da angústia, a alegria, o novo alvorecer, a iluminação... (‘É preciso nascer de novo para entrar no reino dos céus’).
    O budismo funda-se na ‘conversão’. Transforma tua mente e tua alma, pois ‘o reino de Deus está ao alcance de tuas mãos’. Se o cristão não seguir os passos do Cristo, o que teremos será algo insosso, que pode passar por Cristianismo, mas não é mais que respeitabilidade social.
    Lembre-se do Sermão da Montanha: ‘Não andeis inquietos pelo que comereis, nem pelo que vestireis’ e ‘Não vale a vida mais que o alimento e o corpo mais que o vestido?’, ensinando que devemos eliminar, da mente, para melhor qualidade de vida e meditação, qualquer preocupação: pensamentos, raciocínios, decisões, planos, inquietações, intenções etc. Que eles cessem, sobretudo o medo e o cuidado quanto ao futuro. Por isso Jesus disse: ‘Não vos inquieteis pelo o dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal’. (Vejam: o ‘dia de amanhã’ cuidará de si mesmo; não é você que fará isso, pois, segundo o misticismo, as escrituras, o Novo Testamento e a física moderna, nada escolhemos, nada decidimos; é o senhor que opera em nós o pensar, o querer e o fazer. Não somos donos nem de nossos pensamentos!).
    Conselho do roshi: ‘Senta-te em calma absoluta, respira suavemente com longas arfadas, comprimindo o ar respirado até o tandem (logo abaixo do umbigo)’. Quando a ‘chama viva do amor’ despertar, já teremos esquecido totalmente a respiração, o raciocínio, o pensamento, nós mesmos. Todas estas coisas estarão recobertas pela ‘nuvem do desconhecido’. Agora há liberdade total.
    Escreve João da Cruz:
    ‘Agora, já não há qualquer caminho.
    Para o justo, não há qualquer caminho.
    Ele mesmo é sua lei. ’
    Mas não tentemos alcançar algo, não liguemos para os resultados. Nem, muito menos, busquemos o reconhecimento dos outros. Isso recorda: ‘Daí a Deus os frutos da ação’, e ‘Não saiba tua mão esquerda o que faz a direita’ (Se alcançar, tudo bem; se não alcançar, tudo bem, também). A recompensa, além da alegria e do cessar de todo sofrimento, é o amor perfeito (amor que não é apego), o agir correto. Não existe, porém, nenhuma razão para esse amor. É incondicionado e natural. Está nas Epístolas de Paulo:
    ‘O amor nada procura, nada quer, nada exige. É paciente, é bondoso, não tem inveja, não tem orgulho, não busca seu próprio interesse, não é arrogante nem escandaloso, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta e jamais acaba’.
    Esse é o amor que desperta quando a luz chega.

      Data/hora atual: Qua maio 08, 2024 6:37 pm